terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Autismo e psicanálise: resultados


 Há sujeitos, autistas, que  resistem a entrar na grande máquina da reeducação  e das  aprendizagens forçadas. É um  fato. Frequentemente, eles já têm sua própria máquina escolhida, o seu  objeto insólito para tratar o barulho da língua neles; para tratar suas angústias do encontro.

Dizem que eles não falam, isto não é sempre verdade mas, em todo caso, eles se isolam, se retiram do mundo e, deste modo, colocam em xeque a vontade do Outro que fala com eles, que os invade. No entanto, um  encontro é possível quando nos colocamos em sintonia com suas construções pessoais e singulares, quando dizemos sim a seu uso do objeto, que já tem uma função  apaziguadora com relação à angústia. A psicanálise lacaniana que orienta as curas, assim como muitas práticas em instituições, nos dá as ferramentas  para resistirmos a entrar nesta máquina de formatar o sujeito e sustentá-lo na elaboração de suas próprias  soluções.  No horizonte,  nenhuma harmonia  com o Outro, mas a via do sinthoma para todos, que permite alojar o que cada Um tem de mais íntimo.

Nossa Grande Jornada de Estudo  de 28 de fevereiro  é uma resposta a estes “estudos” pseudo-científicos que fazem estragos, como aquele do Conseil Supérieur de la Santé, há um ano, e agora aquele do KCE (Centre fédéral d’Expertise des Soins de Santé). A psicanálise, assim como as práticas  institucionais que dela derivam, seriam ineficazes para tratar dos transtornos do espectro autista! É o reino dos especialistas referenciados na literatura dita científica e internacional, surdos aos testemunhos dos praticantes, portanto, tão numerosos para quem quer lê-los e ouvi-los. Eles jogam o descrédito sobre o trabalho  inventivo  e vivo que se pratica, incansavelmente, há cinquenta anos, com sujeitos  autistas e suas famílias. Há, de fato, alguma coisa que não funciona e não entra na máquina de re-educar, porque o sinthoma  autístico, como todo sinthoma, não quer se curar.

De nosso lado, extraímos a lição do sintoma, entramos no seu passo, para construi-lo, para que ele abra uma via para o mundo do outro, para um laço social apaziguado, sem renunciar àquilo que faz o sujeito distinto de qualquer  outro. A aposta deste trabalho é produzir uma perda no impasse do gozo autístico – já  que este impasse é voraz -, mas não sem o consentimento do sujeito. Ajustando-nos como parceiros de sua construção, interessando-nos por seu objeto escolhido, nos fazendo de seu duplo, nós tentamos localizar sobre uma borda uma zona do entre-dois onde um espaço para o não-diálogo (pas-de-dialogue) possa enfim se abrir. Se nós trabalhamos com estes objetos tão particulares – um  tambor que gira, um  carrinho, um  fio de saliva, um  gato de pelúcia  -  nós mesmos que vivemos aparelhados com nossos tablets ou smartphones - é que o fio do laço passa por aí. E tecemos este laço sem descanso!

Então, na condição de levar em conta isto que o sujeito articula, « uma  pequena conversação” se torna possível e “há, certamente, algo a lhes dizer”[1]. Então, as aprendizagens se tornam possíveis, orientadas pela ilha de competências do sujeito, sua “obsessão”, colocada a trabalho. Então, o sujeito autista pode dar corpo a seu sinthoma’ que lhe servirá durante toda  a sua vida para tomar um  lugar no laço social. O ganho para o sujeito e sua família não é calculável,  mas não é menos real. Ganho inestimável! O objetivo desta jornada é, portanto, expor nossos resultados – Autismo e psicanálise: resultados. – Daniel Pasqualin

Sábado 28 de fevereiro  de 2015
De 9h00 a 16h30
No Square Meeting Centre
Mont des Arts – 1000 Bruselas
Inscrição  mediante transferência  de 40 euros
Conta da ACF Belgique
IBAN: BE90 0680 9297 5032 – BIC : GKCC BE BB
Identificar: nome e e-mail dos inscritos
Informação  acfbelgique@gmail.com




[1] Lacan, J. (1998[1975]). Conferência em Genebra sobre o sintoma. In Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, (23).

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Em novembro de 2012, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo publicou um Edital de convocação de clínicas especializadas para a assistência à população com autismo, com a exigência que se orientassem pela abordagem cognitivo-comportamental. Psicanalistas de diversas orientações se mobilizaram, fundando o Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública (MPASP), que conta hoje com mais de 500 participantes e é reconhecido pelo Ministério da Saúde. A Comissão Autismo da EBP foi constituída como uma forma de estabelecer laços com o MPASP e algumas colegas desta Comissão foram convidadas a conectar-se com o Observatório Internacional sobre as Políticas do Autismo.

Este Observatório foi constituído por Vilma Coccoz, psicanalista membro do Comitê de Ação da Escola Una, à qual Miquel Bassols, Presidente da AMP, encomendou a tarefa de ocupar-se das políticas do autismo. Vilma convidou um colega de cada Escola da AMP para fazer parte deste Observatório,  com o intuito de elaborar um informe sobre o estado da questão do autismo em nossas Escolas. Elisa Alvarenga, representante da EBP no Observatório, convidou Paula Pimenta, Ana Martha Maia, Tânia Abreu, Heloísa Telles e Anamaria Vasconcelos para colaborarem neste trabalho.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Terapia por afinidade

Colóquio Internacional

“Terapia por afinidade”

5 e 6 de março de 2015 – Universidade de Rennes


A “Terapia por afinidade” é um conceito introduzido nos USA em abril de 2014 por Ron Suskind, célebre jornalista de Nova York e Dan Griffin, terapeuta, para qualificar a surpreendente saída do fechamento autista de Owen Suskind graças à sua “afinidade” – isto é, seu interesse específico consagrado aos filmes de Disney. Pouco tempo antes, K. Barnett havia, ela também, relatado sua satisfação de ter tomado a atitude corajosa, contra o conselho dos especialistas, de estimular a paixão do seu filho autista pelo deslocamento da luz no espaço. Graças a isso, ele tornou-se pesquisador em astrofísica.

O eco considerável, nas mídias anglo-saxônicas, da obra de Suskind (Life, Animated, 2014), e num grau menor, daquela de K. Barnett (L’étincelle, 2013), obriga hoje os especialistas, notadamente nos Estados Unidos, a uma modificação radical da consideração dos interesses específicos no tratamento dos autistas: outrora fustigados como “obsessões” ou como “caprichos passageiros”, eles tendem a tornar-se o suporte principal do tratamento. Isso em conformidade com a opinião dos autistas de alto nível: a “máquina do abraço” de Temple Grandin já não havia estabelecido o benefício que é possível tirar das paixões dos autistas? Assim, este colóquio terá como visada mostrar como a maioria dos autistas testemunham do apoio fundamental que constituem suas afinidades.

Este colóquio tem também como objetivo descrever e analisar os diferentes métodos comportamentais, cognitivos e psicodinâmicos que utilizam os centros de interesse do autista, seja como reforço positivo, seja como vetor para desenvolver as competências sociais e estudar suas consequências terapêuticas. Da mesma forma, no que concerne levar em conta os afetos, os objetos autísticos, as obsessões ou paixões. Com efeito, os métodos recomendados na França pela Haute Autorité de Santé, procuram modificar os comportamentos ou a cognição dos autistas, mas deixam a desejar no que concerne a vida afetiva. O programa de Denver tenta remediar isso: deixando as crianças expressar suas escolhas quanto às aprendizagens propostas, ele se interessa pelas motivações e não negligencia mais a afetividade consciente. No entanto, uma ultrapassagem se produz quando as paixões são levadas em consideração. Introduzindo um elemento que transborda a vontade do sujeito, um elemento afetivo da ordem de “mais forte que si mesmo”, o centro de gravidade do tratamento se desloca. Não é mais o saber técnico do educador que dirige, mas a paixão ou a afinidade do sujeito, que se trata de estimular, mas que não se domina. Elevar ao primeiro plano a consideração dos interesses específicos, não mais como reforço de aprendizagens, mas como motores do tratamento, anuncia um retorno dos métodos psicodinâmicos. É por isso que um lugar maior será dado à prática institucional com os autistas.  





Outras vozes – outro olhar sobre o autismo


 Durante o XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, no dia 22.11.2014, projetamos o filme de Ivan Ruíz, Otras voces, que causou grande impacto no público. Da mesa participaram quatro colegas da EBP – Paula Pimenta, Tânia Abreu, Cristina Vidigal e Elisa Alvarenga - cujos comentários incluo nesta resenha.

A EBP já tinha se incluído na política da psicanálise para o autismo no início de 2012, época em que sua Diretoria publicou o livro Autismos(s) e atualidade: uma leitura lacaniana. Também havia constituído un blog: autismoepsicanalise.blogspot.com.br , para difundir textos clínicos e teóricos sobre sua concepção do autismo.

En novembro de 2012, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo chamou clínicas especializadas para a assistência à população com autismo, com a exigência que se orientassem pela abordagem cognitivo-comportamental. Psicanalistas de diversas orientações se mobilizaram, fundando o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública, que conta hoje com mais de 500 filiados e é reconhecido pelo  Ministério da Saúde. A Comissão Autismo da EBP foi constituída como una forma de establecer laços com o Movimento.

No comentário do filme Otras voces, recordou-se que o filme surgiu na Catalúnia quando houve tentativas de rechaçar a presença da psicanálise no tratamento do autismo. Depois de um Fórum e de iniciativas de pais e profissionais para defender o discurso analítico, Ivan Ruíz pensou que um filme iria mais longe que a apresentação de un caso clínico.

O filme ensina que trata-se de algo complexo e constrói um tecido de imagens, vozes e testemunhos que afirmam e demonstram que há vários modos de estar na vida. Um divã atravessa as cenas e deixa claro de onde se fala. A partir da psicanálise e da experiência de encontro com autistas, destaca-se que o autismo é uma posição do ser.

Vozes e testemunhos dos pais trazem sua dor e seu espanto frente a um diagnóstico que não entendem e que os interroga. Interrogam suas falhas e sentem-se culpados. O testemunho se estende quando marca a diferença que o encontro com a psicanálise pôde trazer a estas famílias. Os pais passam a ter um novo olhar e uma nova escuta de seus filhos e resgatam sua função de pais, no lugar onde só havia culpa e desamparo.

O contraponto se apresenta na voz e presença carismática de Albert, em um ritmo que recorta, bordeja e, sobretudo, mostra as operações possíveis que alguém que recebeu este diagnóstico faz na sua relação com seus pais, seu amigo  e claramente em sua relação com a linguagem e com a fala. Relação que ele compara com um labirinto “um pouco tenebroso na entrada, mas quando se entra, parece que era mais tenebroso antes de entrar”. E logo, uma direção: “Penso que é muito importante que as pessoas reflitam sobre tudo o que estou dizendo”.

O filme apresenta o olhar diferenciado da psicanálise na relação com o autismo a partir do testemunho de um jovem e da experiência dos pais, avós, familiares e psicanalistas que praticam com estas crianças.

Na internet, os testemunhos dos que assistiram ao filme e que estão de acordo com os direitos de escolha, pelos pacientes e responsáveis, por seu tratamento em instituições públicas, são comoventes e decididos. Otras voces fala do desejo de fazer-se ouvir, daqueles que reagem contra a pressão exercida por associações anti-psicanálise. Há uma reação, como indicam, por exemplo, as recentes associações criadas por pais e amigos de pessoas autistas “com o objetivo de promover uma abordagem que leve em conta sua subjetividade e acolha suas invenções”.

Eric Laurent destaca o trabajo do autista de fazer calar o ruído da língua, o que torna a docilidade, o respeito e o silêncio pontos clínicos essenciais na abordagem pelos psicanalistas. O autista é aquele que tenta de todas as formas reduzir o equívoco ao silêncio. Mas devemos levar em conta o gozo que acompanha este cálculo onde a repetição do Um não consegue tratar o deslizamento permanente da lalação. Podemos acompanhar Albert em sua visita ao museu Tim-Tim. “É preciso que o sujeito construa seus modos de tratamento do equívoco que muitas vezes se encontra separado do corpo. E não funciona como o delírio psicótico que em alguma medida põe em jogo o imaginário do corpo”.

É impressionante a sensibilidade do diretor do filme para recolher um significante singular de Albert como ápice do filme, significante que traz a marca do que Lacan buscava em suas apresentações de pacientes, como a assinatura de uma relação particular com a linguagem. Albert conclui sua série de treze significantes  com “acostuflante”, palavra que lhe cai bem “para que soe estranha e também legal”.

Se nem tudo es “Asperger”, se há seu caráter, seu modo de estar na linguagem, há complexidade, e há principalmente a possibilidade de estar na vida de diversas formas e mesmo de uma forma “acostuflante”. E de falar com ironia do psiquiatra que encontrou um virus em seu cérebro. “Ele necessita tratamento”.

Na psicanálise de orientação lacaniana, é fundamental o testemunho do sujeito. Desde Albert até os autistas reconhecidos por suas invenções, trata-se de aprender com o sujeito, esvaziando o lugar do saber. Por isso, talvez, Ivan Ruíz esvazia o divã, que passeia pelos mais diversos lugares e dá a palabra aos mais diversos personagens no filme: pais, educadores, psicólogos, psicanalistas, na prática feita por vários. Como nos testemunhos de passe, pode-se ver nas entrevistas com Albert e com os diversos casais, uma pasagem do sofrimento inicial a uma satisfação no final. Efeitos da psicanálise. 


Elisa Alvarenga

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Observatório internacional: Políticas do autismo - Documentos do MS produzida pelo MPASP

São Paulo, 15 de maio de 2014

Prezado Sr Ministro da Saúde Arthur Chioro,

O Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública/MPASP é constituído por profissionais (psiquiatras, psicólogos, médicos pediatras, neurologistas, psicanalistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos, entre outros) que trabalham no campo da saúde mental inseridos em diversas instituições clínicas e acadêmicas disseminadas pelo Brasil.

Com o propósito de contribuir com a implementação de políticas públicas de atenção ao autismo no Sistema Único de Saúde, o MPASP tem acompanhado e participado do debate nacional e local sobre o tema e, de acordo com seus princípios, tem enfatizado a importância do fortalecimento da rede de atenção à saúde a essa população sem que se produzam reducionismos às questões pertinentes ao campo da saúde mental.

Acreditamos que a lacuna existente relativa aos cuidados às pessoas com autismo no SUS levanta questões no campo social e científico e abre uma potente discussão que aponta para a necessidade de que a Rede de Atenção Psicossocial seja instituída de maneira vigorosa em todo o país.
Nossa disposição ética e política nos dá a perspectiva de que a política de atenção ao autismo seja realizada distante da patologização e da consequente medicalização da infância, e que o tratamento tanto do risco e dos sinais de vulnerabilidade psíquica quanto dos quadros já instalados sejam realizados respeitando a pluralidade de abordagens clínicas, a territorialidade e a atenção integral à saúde no SUS.

Por conta dos princípios que norteiam nossas ações e com o propósito de colaborar com as discussões empreendidas pelo Ministério da Saúde realizamos a leitura crítica dos dois documentos orientadores dos cuidados aos autistas no SUS, publicados no ano de 2013: Linha de Cuidado para a Atenção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde/SUS e Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)- versão preliminar. Segue em anexo o resultado deste trabalho.
Certos de que podemos avançar neste diálogo nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente,

Grupo de Articulação Política/MPASP: Ilana Katz, Claudia Mascarenhas Fernandes, Cássia Gimenez Pereira, Luana Amancio, Gabriela Xavier de Araujo, Erika Pisaneschi.

Análise dos Documentos:

Linha de Cuidado para a Atenção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde/SUS. Ministério da Saúde, abril, 2013.

Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ministério da Saúde, abril, 2013 – versão preliminar.
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Março/2014

Análise dos Documentos:

Linha de Cuidado para a Atenção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde/SUS. Ministério da Saúde, abril, 2013.
Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ministério da Saúde, abril, 2013 – versão preliminar.

CONTEXTO

O Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública/MPASP em audiência com o Ministro da Saúde Alexandre Padilha, no dia 17 de abril de 2013, reafirmou o apoio à implementação da Linha de Cuidado para a Atenção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde/SUS. Esta proposta foi construída a partir de amplo debate com profissionais de diversas vertentes clínicas, profissionais da rede SUS e representantes de usuários e legitimada por meio de Consulta Pública. Nesse contexto, o MPASP expôs sua indignação e preocupações com a publicação pelo Ministério da Saúde, em 2 de abril de 2013 – Dia Mundial do Autismo, de outra proposta - Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), vinculada à Rede de Cuidados às Pessoas com Deficiência no SUS, conflitante e por vezes antagônica a proposta de Linha de Cuidado para a Rede de Atenção Psicossocial/RAPS.

O MPASP assumiu nesta audiência o compromisso de apoiar o Ministério da Saúde no trabalho de articulação das duas propostas e campos - saúde mental e saúde para pessoas com deficiência num fórum de discussão a ser instituído pelo Ministério da Saúde/MS. Conforme pactuado, em 22 de maio de 2013, foi instituído o Comitê Nacional de Assessoramento para Qualificação da Atenção à Saúde das Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo no âmbito do Ministério da Saúde (Portaria MS 962/13). Entre suas competências:

I - promover a articulação e o alinhamento entre os campos da reabilitação e da atenção psicossocial para qualificação da atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);

II - promover a difusão de informações que possam subsidiar o debate sobre ações inclusivas, considerando os princípios dos Direitos Humanos, da Reforma Psiquiátrica e da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada nos termos do Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009; e


III - realizar o balanço semestral do desenvolvimento das ações para a qualificação da atenção à saúde das pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo no âmbito do SUS.

Em consonância com a primeira atribuição do Comitê, do qual o MPASP foi convidado a participar, e com a orientação e pedido do Ministro para que procedêssemos à leitura dos documentos publicados pelo Ministério da Saúde apontando as convergências possíveis, apresentamos aqui a leitura realizada. Esta elaboração é fruto do debate realizado na Rede virtual do MPASP, na Assembleia do Movimento (ocorrida no dia 25/5/13) que reafirmou o compromisso e as linhas gerais para a análise dos documentos pelo Grupo de Trabalho, que organiza esse documento em nome do MPASP.

Registramos que após a audiência no Ministério da Saúde, novo documento com conteúdo específico sobre o atendimento dos autistas no SUS foi publicado - Instrutivo de Reabilitação para os Centros Especializados de Reabilitação/CER. Este documento foi incorporado na análise uma vez que complementa noções e conceitos expressos nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista na Rede de Cuidados às Pessoas com Deficiência no SUS. Apontamos aqui para o fato de que por se tratar de um instrutivo, é o documento que regulamenta a implementação dos equipamentos de atendimento a população, e, portanto, a concepção que orienta sua proposta deve estar alinhada pela articulação pretendida entre os dois outros documentos.

I - OBJETIVOS DOS DOCUMENTOS

a) Na Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS (LC)

“Este documento dirige-se a gestores e profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS), e objetiva contribuir para a ampliação do acesso e à a qualificação da atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e suas famílias.

A construção de tal material decorre de esforços de um Grupo de Trabalho, constituído em dezembro de 2011, composto por representantes de Universidades, da Sociedade Civil, gestores e profissionais de RAPS locais do SUS, coordenado pela Área Técnica de Saúde Mental Álcool e outras Drogas (ATSM) do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas (DAPES) da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde.

Foram parceiros também as Áreas Técnicas da Saúde da Pessoa com Deficiência, Saúde da Criança e Aleitamento Materno (ATCAM), e da Rede de Atenção à Urgência e Emergência (RUE); os Ministérios da Educação, e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoas com Deficiência, com vistas a garantir ressonância e articulação entre todas as Redes de interface para o cuidado das pessoas com TEA e suas famílias.

A submissão do texto à Consulta Pública ampliou o diálogo com diversos parceiros que se dedicam ao estudo, ao cuidado, à militância, e/ou afetivamente à questão e às pessoas com TEA e puderam contribuir de forma significativa para o seu aprimoramento.” (pág. 9)

“A perspectiva de Linha de Cuidado delineia os objetivos deste documento, reafirmando os princípios ético-técnico-políticos para a organização dos pontos de atenção da RAPS, e subsidiando a definição de estratégias para a ação, o que inclui uma diversidade de caminhos para o alcance da atenção qualificada, visando à garantia da produção do cuidado continuado, comunitário/territorial, incluindo a atenção básica e o acesso à complexa densidade tecnológica. Ao mesmo tempo, a efetiva garantia de direitos das pessoas com TEA e seus familiares exige, necessariamente, o desenvolvimento do trabalho em rede intersetorial, assim como a interação com os sistemas de garantia de direitos.

... Apresenta ainda, a necessária articulação à Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência e contextualização quanto às Políticas Públicas de Educação, Assistência Social e Direitos Humanos, nas quais esta questão dialoga com perspectivas e estratégias significativas de apoio e de participação social, em diferentes frentes, reafirmando a necessidade de práticas plurais, intra e intersetoriais, para responder à complexidade da efetiva garantia de direitos e de participação social das pessoas com TEA e suas famílias, compromisso fundamental das políticas públicas”. (pág. 10)

b) Nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (DR) – versão preliminar.

“O objetivo desta diretriz é oferecer orientações às equipes multiprofissionais para o cuidado à saúde da pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e sua família, nos diferentes pontos de atenção da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.” (pág. 10)


“A Convenção sobre os Direitos da pessoa com Deficiência (NY, 2007), promulgada pelo Estado Brasileiro pelo decreto 6.949 em 25/08/09, resultou numa mudança paradigmática das condutas oferecidas às Pessoas com Deficiência, elegendo a acessibilidade como ponto central para a garantia dos direitos individuais. A Convenção, em seu artigo 1o, afirma que a pessoa com deficiência é aquela que “têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Desde então, o Estado brasileiro tem buscado, por meio da formulação de políticas públicas, garanti r a autonomia; a ampliação do acesso à saúde; à educação; ao trabalho, entre outros, com objetivo de melhorar as condições de vida das pessoas com deficiência”. Em dezembro de 2011 é lançado o Viver sem Limite: Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 7.612 de 17/11/11) e, como parte integrante deste programa, o Ministério da Saúde institui a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS (Portaria 793, de 24/04/12), estabelecendo diretrizes para o cuidado às pessoas com deficiência temporária ou permanente; progressiva; regressiva ou estável; intermitente ou contínua.” (pág. 6)

Também em consonância com a Convenção sobre os Direitos da pessoa com Defi- ciência, o governo brasileiro institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (Lei 12.764 de 27/12/12), sendo esta considerada Pessoa com Deficiência para todos os efeitos legais.

Esse processo é resultado da luta de movimentos sociais, entre os quais entidades e associações de pais de pessoas com transtornos do espectro do autismo que, passo a passo, vêm conquistando direitos e, no campo da saúde, ajudando a construir equidade e integralidade nos cuidados das Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo.

Esta Diretriz é um dos resultados da conjunção de esforços da sociedade civil e do governo brasileiro. Coordenado pelo Ministério da Saúde, um grupo de pesquisadores e especialistas e várias entidades, elaborou o material aqui apresentado, oferecendo orientações relativas ao cuidado à saúde das Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo, no campo da habilitação/reabilitação na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência.

Vale ainda salientar que para que a atenção integral à pessoa com transtorno do espectro do autismo seja efetiva, as ações aqui anunciadas devem estar articuladas a outros pontos de Atenção da Rede SUS (atenção básica, especializada e hospitalar), bem como os serviços de proteção social (centros dia, residências inclusivas, CRAS e CREAS), e de educação”. (pág. 7)

c) Convergências:

1- Ambos os documentos são construídos para a organização da atenção a pessoa com autismo no SUS. O primeiro articula o cuidado nas RAPS, e o segundo na rede de cuidados a pessoa com deficiência.

2- Ambos os documentos foram construídos com a participação de técnicos do MS, representantes da sociedade civil (associações de pais de autistas) e pesquisadores especialistas na área.


d) Divergências:

Sobre a construção dos documentos

1 - O documento LC: contou com a participação efetiva de outras áreas técnicas do MS, incluindo a área técnica da pessoa com deficiência. Contou com a participação de gestores e profissionais da rede de saúde mental locais do SUS. E foi composto desde o seu início em intersetorialidade (Saúde, Educação e Desenvolvimento Social e Combate a Fome, e Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência).


2 - O documento das DR: não contou com a parceria intersetorial, e também não contou com a parceria com outras áreas técnicas do MS, e gestores e profissionais da rede de saúde local do SUS. Note-se que nesse processo não foi chamada a participação das áreas técnicas da Saúde Mental e da Saúde da Criança. Participação que o MPASP considera fundamental para o atendimento a complexidade da questão do autismo.


Sobre a CONSULTA PÚBLICA

A submissão do texto da LC à consulta pública ampliou o diálogo com parceiros na

atenção a pessoa com autismo e com a sociedade civil, usuária da rede SUS aprimorando sua construção e legitimando sua implementação. Assim como sublinhamos a importância da constituição de um grupo plural na origem da construção do documento, vale a pena ressaltar que tal pluralidade se viu potencializada com a submissão do documento a consulta pública de ampla repercussão. Portanto, entendemos que esse documento faz valer os princípios democráticos que orientam a construção do SUS.

e) Comentários

Interrogamos a necessidade de que a atenção a pessoa com autismo esteja regulamentada por dois documentos, que, em alguns pontos, como apresentaremos a seguir, são contraditórios, dificultando a implementação das práticas públicas de atendimento.

II - CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA E AUTISMO

a) Na Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS (LC)

O documento LC aborda em sua apresentação a concepção de sujeito, a importância da singularidade e a necessária proteção contra a fixação em estigmas:

“A compreensão de que cada sujeito tem sua história, suas potencialidades e dificuldades, demonstra que a experiência de cada um frente às situações adversas será vivenciada de maneira singular. Da mesma forma isso acontece, por exemplo, em relação à vivência de diferentes pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) ... é imprescindível também empreender esforços para desconstruir concepções presentes no imaginário social que marginalizam e estigmatizam pessoas com TEA.” (pág. 11)

O LC dedica um item para falar sobre a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (págs. 16-18) que em seu artigo 1o, afirma que:

“...pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (pág. 16)

O documento aborda a participação na construção da referida Convenção de movimentos internacionais organizados do campo da saúde mental que:

“...garantiu a inclusão desta população sob a terminologia, embora controversa, de deficiência mental, e demarcou no documento que nenhuma condição ou diagnóstico pode justificar a perda da liberdade.

A terminologia “mental disability” e “psychosocial disability” vem sendo utilizada para se referir a pessoas que tenham recebido um diagnóstico de saúde mental com comprometimento de longo prazo, e que vivenciam fatores sociais negativos, incluindo o estigma, a discriminação e exclusão (DREW et al, 2011).” (pág. 17)


Adiante, no item 1 do documento LC, são abordadas as diferentes concepções de autismo e a sua transformação ao longo da história e conclui a partir desta revisão:
“...não obstante os avanços significativos no campo (Klin, Rosario, Mercadante, 2009), a noção do que são os Transtornos do Espectro do Autismo ainda está em aberto, e muitos pensam ser melhor falar em autismos, no plural. A grande complexidade das questões envolvidas nas diversas formas de autismo exige que a ética do campo público seja ao mesmo tempo rigorosa e flexível para dar acolhida a diferentes concepções sobre esse quadro. Talvez os Transtornos do Espectro do Autismo, mais do que comportem múltiplas descrições, as exijam. Assim, as concepções cerebrais e relacionais, afetivas, cognitivas e estruturais – terão que

habitar o mesmo espaço público senão quisermos correr o risco de que uma delas se auto proclame totalizante, acusando todas as outras de reducionistas, anticientíficas ou não condizentes com a “evidência” dos fatos (Lima,2007). Até porque, como nos lembra Costa, 2007, a realidade dos fatos depende de todos para ser reconhecida como realidade factual, não se tornando evidente por si só.” (pág. 32)

Na sequência é registrado que o Transtorno do Espectro Autista pode ser definido na atualidade como um transtorno mental e como um transtorno do desenvolvimento:
“Os TEA estão incluídos entre os transtornos mentais de início na infância. Segundo o DSM-IV-TR, os transtornos mentais são: síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes, que ocorrem num indivíduo e estão associados com sofrimento (p. ex. sintoma doloroso) ou incapacitação (p. ex., prejuízo em uma ou mais áreas importantes do funcionamento) ou com risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante de liberdade” (DSM-IV-TR, 2000).” (pág. 33)

O conceito de transtorno do desenvolvimento foi introduzido, portanto, para caracterizar os transtornos mentais da infância que apresentam tanto um início muito precoce quanto uma tendência evolutiva crônica. Os Transtornos do Espectro do Autismo se enquadram bem nessa categoria, uma vez que são condições clínicas de início na primeira infância e com curso crônico. Dessa forma, a síndrome autista manifestada pela criança pequena costuma persistir no decorrer da vida, em que pesem as possibilidades de melhora clínica e funcional ao longo do tempo. (pág. 35)
O documento LC faz um uma advertência em relação ao mau uso dos sistemas classificatórios:

“Toda construção humana pode, infelizmente, ser mal utilizada. Logo, não poderia ser diferente com os sistemas classificatórios. Não há classificação nosológica, instrumento terapêutico ou dispositivo de cuidado que tragam em si mesmos uma garantia de bom uso. O que pode, de fato, assegurar a boa utilização das ferramentas conceituais ou práticas no campo da saúde não é a dimensão técnica de sua produção, mas o contexto ético de seu uso.

Uma pessoa com um transtorno mental é, antes de tudo, uma “pessoa” e não um “transtorno”. Nesse sentido, um indivíduo “com” TEA não “é” um “autista”. Um rótulo classificatório não é capaz de captar a totalidade complexa de uma pessoa, nem, muito menos, a dimensão humana irredutível desta. Há sempre o risco de que termos taxonômicos acabem por minimizar as enormes diferenças entre pessoas que apresentam uma mesma condição clínica. No caso dos indivíduos com TEA, a ampla variação da expressão sintomática requer a obtenção de informações que ultrapassam em muito o diagnóstico categorial, tais como o nível de comunicação verbal e não verbal, o grau de habilidades intelectuais, a extensão do campo de interesses, o contexto familiar e educacional, e a capacidade para uma vida autônoma (Volkmar e Klin, 2005). (pág. 40 e 41)
Sobre o uso da CIF, aponta:

“Atualmente a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF (WHO, 2001) vem sendo utilizada como instrumento complementar à Classificação Internacional de Doenças (CID- 10) que, para além de uma perspectiva médica, inclui a societária e ambiental.
A CIF analisa a saúde dos indivíduos a partir das categorias: funcionalidade, estrutura morfológica, participação na sociedade, atividades da vida diária e o ambiente social de cada indivíduo, sendo, desta forma é recomendável sua utilização para a avaliação e planejamento de Projetos Terapêuticos Singulares.” (pág.59)

No item 2.2 (Comorbidades e Diagnósticos Diferenciais) aparece a distinção entre autismo e deficiência intelectual:

RETARDO MENTAL (DEFICIÊNCIA INTELECTUAL): uma criança com deficiência intelectual, apesar do início precoce de seus prejuízos, geralmente não manifesta a gama de limitações na interação, na comunicação e no repertório de interesses presentes no TEA. Porém, crianças com deficiência intelectual grave podem apresentar características autistas, o que costuma ser diagnosticado como “autismo atípico”. (pág. 61)

Em relação à garantia de direitos, o documento LC aponta:

“As pessoas com TEA têm os mesmos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, além de outros tantos advindos de legislações e normatizações específicas, que visam a garantir a atenção integral.

“As pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo também tem todos os direitos previstos em leis específicas para pessoas com deficiência (Leis 7.853/89, 8.742/93, 8.899/94, 10.048/2000, 10.098/2000, entre outras), bem como (...), enquanto crianças e adolescentes também possuem todos os direitos previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/90) e quando idosos, ou seja maiores de 60 anos, tem os direitos do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003)”” (pág. 70 e 71)
O documento LC aponta a importância da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento este que foi ratificado no Brasil sob os auspícios da Emenda Constitucional no 45, de modo que, no processo de sua ratificação, seu texto foi incorporado à normativa interna brasileira com equivalência de emenda constitucional.

“Em termos práticos, a Convenção marca uma “mudança de paradigma” nas atitudes e abordagens referentes à deficiência. Altera a percepção tradicional das pessoas com deficiência, fazendo com que elas deixem de ser vistas como alvo de caridade, de assistência médica e de proteção social. Consolida o entendimento de que a pessoa com deficiência é sujeito de direito, capaz de reivindicá-los e tomar decisões para sua vida, com base em seu consentimento livre e esclarecido, como membro ativo da sociedade. De forma inovadora define que a deficiência é uma resultante entre a pessoa e seu entorno, cabendo aos governos e à sociedade eliminar as barreiras de toda natureza (art.1o).” (pág. 141)

“Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência definiu com clareza a deficiência como parte da experiência humana e equacionou essa experiência específica como o resultado de impedimentos de longo prazo, de naturezas diversas, em interação com diversas barreiras, indicando que quem impõe limites e barreiras é a sociedade e não a deficiência.
Na perspectiva dos direitos humanos, as pessoas com transtorno do espectro autista têm direito à inclusão e à proteção do Estado contra a violação de seus direitos e no enfrentamento de barreiras construídas em decorrência de preconceitos e da não aceitação de suas especificidades. Essa é uma conquista trazida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na qual se ampara a Lei no 12.764/2012.” (pág. 143)

b) Nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (DR) – versão preliminar

No prefácio do documento aparece a referência a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:

“... A Convenção, em seu artigo 1o, afirma que a pessoa com deficiência é aquela que “têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” (pág. 6)

E ainda situa a inclusão legal do autismo no campo das deficiências:

Também em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, o governo brasileiro institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (Lei 12.764 de 27/12/12), sendo esta considerada Pessoa com Deficiência para todos os efeitos legais.” (pág. 7)

A concepção de autismo que orienta a escrita do documento DR se apresenta no item 3- Introdução, após um breve histórico do conceito de autismo, o documento afirma:

O autismo é considerado uma síndrome neuropsiquiátrica. Embora uma etiologia específica não tenha sido identificada, estudos sugerem a presença de alguns fatores genéticos e neurobiológicos que podem estar associados ao autismo (anomalia anatômica ou fisiológica do SNC; problemas constitucionais inatos, predeterminados biologicamente). Fatores de risco psicossociais também foram associados. Nas diferentes expressões do quadro clínico, diversos sinais e sintomas podem estar ou não presentes, mas as características de isolamento e imutabilidade de condutas estão sempre presentes. O quadro, inicialmente, foi classificado no grupo das psicoses infantis. Na tentativa de diferenciação da esquizofrenia de início precoce, prevaleceu o conceito de que os sinais e sintomas devem surgir antes dos 03 anos de idade, e os três principais grupos de características são: problemas com a linguagem; problemas na interação social; e problemas no repertório de comportamentos (restrito e repetitivo), o que inclui alterações nos padrões dos movimentos.” (pág. 14)

Ainda sobre a classificação e descrição dos TEA, este documento aponta:
“Os sistemas internacionalmente utilizados na classificação desse quadro são o Código Internacional das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) e o Código Internacional de Funcionalidades (CIF).” (pág. 16)

No Item 8 do documento DR, o autismo é definido da seguinte maneira:

É importante esclarecer que o quadro do autismo é uma “síndrome”, que significa “um conjunto de sinais clínicos”; conjunto que define uma certa condição de vida diferente daquela até então experimentada pela família, e que impõe cuidados e rotinas diferenciadas.” (pág. 53)
No item 9, “Habilitação/Reabilitação da Pessoa com TEA”, a questão das capacidades funcionais é colocada em destaque:

A oferta de tratamento, nos pontos de atenção da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, constitui uma importante estratégia na atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo, uma vez que tal condição implica em alterações de linguagem e de sociabilidade que afetam diretamente – com maior ou menor intensidade – grande parte dos casos, limitando capacidades funcionais no cuidado de si e nas interações sociais, o que demanda cuidados específicos e singulares de habilitação e reabilitação ao longo das diferentes fases da vida.” (pág. 56)
A avaliação sistemática do processo de habilitação/reabilitação deve ser pautada pela melhora e pela ampliação das capacidades funcionais do indivíduo em vários níveis e ao longo do tempo, por exemplo: na participação e no desempenho em atividades sociais cotidianas; na autonomia para mobilidade; na capacidade de autocuidado e de trabalho; na ampliação do uso de recursos pessoais e sociais; na qualidade de vida e na comunicação. Em síntese, os ganhos funcionais são indicadores centrais na avaliação da eficácia do tratamento.” (pág. 57)

c) Convergências

d) Divergências

1- Em ambos os documentos a concepção de deficiência é aquela expressa na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e ambos salientam a importância do uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidades e Saúde (CIF) como forma de classificação complementar ao Código Internacional de Doenças (CID).

1- Apesar de ambos os documentos trazerem um panorama histórico do conceito de autismo, as conclusões são bastante diferentes. O documento LC conclui que não há uma descrição única:
“Talvez os Transtornos do Espectro do Autismo, mais do que comportem múltiplas descrições, as exijam. Assim, as concepções cerebrais e relacionais, afetivas, cognitivas e estruturais – terão que habitar o mesmo espaço público...” (pág. 32)

Já o documento DR conclui esta leitura histórica trazendo uma concepção final:
O autismo é considerado uma síndrome neuropsiquiátrica. Embora uma etiologia específica não tenha sido identificada, estudos sugerem a presença de alguns fatores genéticos e neurobiológicos que podem estar associados ao autismo (anomalia anatômica ou fisiológica do SNC; problemas constitucionais inatos, predeterminados biologicamente). Fatores de risco psicossociais também foram associados.” (pág. 14)

2- O documento LC aponta no Item “Diagnóstico Diferencial”, a diferença entre autismo e deficiência intelectual. Esta questão não é discutida nas DR.

e) Comentários

A Convenção situa a pessoa com deficiência como cidadão: sujeito de direitos, de forma que políticas específicas devem garantir o direito de igualdade de condições e oportunidades de participação social. Além disso, a lei 12.764/2012, instituindo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, inclui o autismo, em termos jurídicos, no campo das deficiências. Respeitar essa conquista é afirmar, em acordo com a definição de pessoa com deficiência da Convenção, que o autismo configura um impedimento de longo prazo que, em interação com diversas barreiras, obstrui e/ou dificulta a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade COM AS DEMAIS PESSOAS1.

É preciso ainda considerar qual seria o real impedimento que coloca a condição do autismo em jogo? Neste ponto é relevante deixar claro que a condição cognitiva da pessoa com autismo - seja ela maior ou menor que uma suposta média - não é o que causa o autismo, muito pelo contrario, é consequente ao modo que esse sujeito pode estar no mundo com os outros.”

Há uma necessidade ética e clínica urgente de trabalhar sob os paradigmas que a Convenção Internacional Sobre os Direitos Das Pessoas com Deficiência traz para o Brasil, incluindo que se retome um termo que está na Convenção e que muito pode nos ajudar a avançar: DESABILIDADE (“DISABILITY”, que não tem um termo equivalente em português, e por isso sustentamos a manutenção do neologismo DESABILIDADE).
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A noção de desabilidade traz para o conceito de deficiência um deslocamento da visão biomédica pelo impedimento à participação plena numa cultura que não oferece as aberturas e flexibilizações necessárias que garantam a participação igualitária de todos os cidadãos aos dispositivos sociais. O modelo biomédico sustenta uma relação de causalidade e dependência entre os impedimentos corporais e as desvantagens sociais vivenciadas pelas pessoas com deficiência. Essa foi a tese contestada pela Convenção e em seu lugar, é introduzida a noção de relação e interdependência entre os aspectos biológicos e sociais (da cultura). Os aspectos biológicos não são negados, perdem o status de determinação numa relação causal única.

A noção de desabilidade traz a possibilidade de mudança, uma vez que considera a pessoa em relação ao seu contexto de vida. Já o conceito de deficiência dificulta esta compreensão, uma vez que a deficiência se refere à pessoa e suas características.

O corpo não pode ser um destino de exclusão para as pessoas com deficiência.
(Diniz, Debora. Deficiência, direitos humanos e justiça http://www.surjournal.org) Entende-se que a defasagem não é inerente aos contornos do corpo, mas resulta de valores que discriminam o corpo com impedimentos.

Se, de acordo com a Convenção é possível situar o autismo no campo das deficiências - uma vez que esse quadro configura um impedimento de longo prazo que obstrui e/ou dificulta a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade com os demais - não encontramos argumentos para situar o autismo como uma deficiência intelectual.

É preciso considerar a multifatorialidade causal e etiológica do autismo. E ainda que o funcionamento intelectual da pessoa com autismo tenha suas particularidades, a sua desabilidade não é cognitiva, está centrada de maneira determinante no encontro com o outro. É isso que ele não pode fazer evita, é disso que ele não dá conta. É aqui que deve intervir o tratamento e portanto esta distinção deve ser considerada numa política pública responsável.

Ao pleitearmos a separação da condição de deficiência intelectual do autismo estamos reivindicando:

1 - que a condição multifatorial de determinação do autismo não seja reduzida a condição intelectual desta determinação, e que portanto o tratamento não seja revertido num sistema específico de ensino e aprendizagens mais ou menos adequados.

2 - Que a noção de deficiência (seja ela intelectual, mental, física ou sensorial) seja tomada pela abertura que o termo desabilidade confere e que se expressa na Convenção. Ou seja, o impedimento do corpo não sela sozinho o destino de alguém.

Destacamos ainda que há diferenças que impedem a inclusão do autismo na categoria da deficiência intelectual:

É do encontro do corpo com sua cultura que as desabilidades serão configuradas e terão que ser pensadas.

3 - Que a subjetivação seja considerada como condição humana, independente da condição intelectual, mental, física ou sensorial do sujeito em questão. Subjetividade é o acontecimento que se dá no encontro entre um corpo (em qualquer condição de desenvolvimento) e a cultura no qual este corpo se insere.


É ainda importante considerar que, ao chamar a atenção para a condição subjetiva da pessoa com autismo na determinação de sua dificuldade de estar com o outro não se retira a condição subjetiva das pessoas que com outras deficiências. Ao situar a subjetivação como condição humana, independente da condição intelectual, mental, física ou sensorial do sujeito em questão, sustenta-se a ideia de que em toda e qualquer condição que alguém tenha de pertencer ao seu universo cultural, esta operação se dará de maneira absolutamente singular. O sujeito sofrerá o impacto do encontro de seu corpo com a cultura e é com isso que terá que lidar, a partir de sua condição, seja ela deficitária em termos físicos, mentais, intelectuais, sensoriais, - ou não.

III - DETECÇÃO PRECOCE

a) Na Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS (LC)

Aponta-se para as razões que sustentam a necessidade de que o tema da detecção precoce esteja na pauta da saúde pública:


“Ao mesmo tempo os transtornos mentais são condições clínicas que se expressam “no indivíduo”. Ou seja, um transtorno mental só poderá ser diagnosticado se as alterações da vida subjetiva ou do comportamento tiverem se tornado intrínsecas ao sujeito em sofrimento. Nesse sentido, um transtorno mental é diferente de um problema de saúde mental ou de uma situação de risco para a saúde mental. Nesses últimos casos, as manifestações clínicas são inteiramente dependentes do contexto e são abolidas quando se modifica de forma positiva o ambiente. O “problema” de hoje pode se tornar o “transtorno” de amanhã. Sendo assim, o campo da psiquiatria e da saúde mental não tem como alvo apenas o tratamento dos transtornos mentais já diagnosticados, mas também a detecção e intervenção precoce nas situações de risco.” (grifo nosso, pág. 34)

“A acelerada dinâmica de transformação da criança ao longo do tempo impõe que se valorize o momento de início das manifestações clínicas apresentadas pela mesma. Quanto mais precoce for o início de um transtorno mental, maior será o risco dele se estabilizar e se cronificar. Para um adulto, não faz muita diferença se o seu transtorno se iniciou aos vinte ou aos trinta anos de idade, mas, para uma criança, faz toda a diferença se o seu transtorno teve início quando sua idade era de dois ou de doze anos. Os mesmos “dez” anos têm um valor completamente diferente quando se trata de uma criança ou de um adulto.” (pág. 35)

Situa a diferença entre identificação de risco e a conclusão do diagnóstico.

“Atenção: embora o diagnóstico definitivo de transtorno do espectro do autismo só possa ser firmado após os três anos de idade, a identificação de risco para os TEA pode e deve ser feita precocemente.” (pág. 48)

“A detecção precoce para o risco dos TEA (grifo nosso) é um dever do Estado, pois, em consonância com os Princípios da Atenção Básica, contempla a prevenção de agravos, promoção e proteção à saúde, propiciando a atenção integral, impactando na qualidade de vida das pessoas e de suas famílias. As diretrizes do SUS preconizam a essencialidade de políticas de prevenção e intervenções para crianças em situações de risco e vulnerabilidade (grifo nosso), o que é o caso das crianças com alterações na interação e comunicação porque isso pode representar, além de outras dificuldades para o desenvolvimento integral da criança, o risco para os TEA.

É comum encontrar nos depoimentos de pais de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo a lembrança de que sempre perceberam que seu filho quando bebê “era diferente”, recusava as interações, sem o contato olho-a-olho, não respondia aos chamados de voz, manifestava preferência em ficar sozinho a ser carregado no colo. Os dados observados e a análise sistemática dos relatos dos pais de crianças com TEA indicam que em 75 a 88% dos casos já apresentavam sinais indicativos da patologia antes dos 2 (dois) anos e em 31 a 55% antes de 1 (um) ano (Young, Brewer E Pattison, 2003). Assim, reconhecem-se sinais típicos associados aos TEA antes dos três anos e, se detectados quando do seu surgimento, devem ser cuidados precocemente.” (pág. 48 e 49)

Os sinais precoces são muito sensíveis para perturbações da comunicação e interação, mas pouco específicos para o TEA propriamente dito (grifo nosso), o que faz com que avaliações, escalas e pesquisas apontem sempre no sentido de riscos para o transtorno ou indicadores de perturbações da interação e da comunicação. Por apresentarem mais sensibilidade do que especificidade é oficialmente indicado que o diagnóstico definitivo de TEA seja fechado a partir dos três anos, o que não desfaz o interesse da avaliação e da intervenção o mais precoce possível, para minimizar o comprometimento global da criança (Bursztejn et al, 2007, 2009; Shanti, 2008, Braten, 1988, Lotter, 1996).

As dificuldades de comunicação e interação nos dois primeiros anos de vida vêm sendo minuciosamente estudadas por pesquisadores de diversas áreas. Alguns desses sinais já formam parte, não apenas das pesquisas epidemiológicas e dos estudos longitudinais, como também de avaliações qualitativas e acompanham a clínica de atendimento ao bebê. Muitos estudos mostraram uma evolução positiva das crianças com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) quando uma intervenção precoce foi realizada e isso não pode mais ser negado (Guthrie et al, 2012; Zwaigenbaum et al, 2009; Maestro et al, 2001, 2003, 2005; Shanti, 2008; Crespin 2004).” (pág. 49 e 50)

b) Nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (DR) – versão preliminar.

Apresenta de maneira articulada a detecção precoce de sinais de risco para TEA e o diagnóstico diferencial dos TEA:

“Sendo assim, duas questões tornaram-se evidentes: a importância da detecção precoce e a necessidade do diagnóstico diferencial. A primeira se refere a uma melhor definição de sinais, ou ainda, a uma possibilidade de identificação dos mesmos no período em que a comunicação e expressão individual e social começam a se moldar: primeiros meses de vida. Nesse ponto vale uma observação: a importância atribuída à dimensão intelectual se dá em detrimento do estudo da linguagem dessas pessoas, que aparece de forma genérica nos apontamentos sobre comunicação, privilegiada para descrever o sintoma básico do isolamento. Portanto, faz-se necessária a definição de indicadores de risco para o quadro, em várias dimensões. A segunda questão se refere à construção de protocolos econômicos e eficientes de diagnóstico e tratamento, separando os casos de transtornos do espectro do autismo de um quadro geral dos transtornos do desenvolvimento, como medida de ajuste à rede de cuidados à saúde nesses casos.” (pág. 15)

2- considera que a intervenção precoce se dá sobre quadros de TEA, diferenciando- os de outros quadros de transtornos do desenvolvimento. O documento não trabalha com a categoria de risco psíquico ou sinais de vulnerabilidade não relacionados a uma patologia específica
A identificação de sinais iniciais de problemas possibilita a instauração imediata de intervenções extremamente importantes, uma vez que os resultados positivos em resposta a terapias são tão mais significativos quanto mais precocemente instituídos. A maior plasticidade das estruturas anátomo-fisiológicas do cérebro nos primeiros anos de vida, bem como o papel fundamental das experiências de vida de um bebê, para o funcionamento das conexões neuronais e para a constituição psicossocial, tornam este período um momento sensível e privilegiado para intervenções. Assim, as intervenções precoces em casos de TEA (grifo nosso) têm maior eficácia e contemplam maior economia, devendo ser privilegiadas pelos profissionais.” (pág.20)

Há uma necessidade crescente de possibilitar a identificação precoce desse quadro clínico para que crianças com TEA possam ter acesso a ações e programas de intervenção o quanto antes. Sabe-se que manifestações do quadro sintomatológico devem estar presentes até os três anos de idade da criança, fator que favorece o diagnóstico precoce (grifo nosso).” (pág.20)

Assim, inventários de desenvolvimento das competências e habilidades, e de sinais de alerta para problemas são um importante material para instrumentalizar as equipes de saúde na tarefa de identificação desses casos.

É importante observar não somente a presença ou ausência de uma competência e/ou habilidade, mas sua qualidade e frequência nos contextos de vida das pessoas.
” (pág. 21).


c) Convergências

1 – Ambos os documentos tratam da relevância da detecção precoce dos sinais de risco para Transtorno do Espectro Autista/TEA e a necessidade imediata de intervenções.
2- Ambos os documentos sugerem o uso de instrumentos para rastrear sinais de riscos.


d) Divergências

1 - O documento LC fundamenta as concepções sobre o autismo historicamente contemplando de forma mais plural e abrangente as abordagens terapêuticas, e estabelecendo a detecção precoce como uma das diretrizes importantes na atenção integral às pessoas com TEA. Procura nortear os profissionais numa perspectiva de olhar o sujeito psíquico e incluir outros aspectos interdisciplinares no processo de diagnóstico com os TEA.

O documento DR enfatiza o quadro dos indicadores do desenvolvimento infantil e dos sinais de alerta para TEA com uma descrição das características esperadas para as crianças de zero a trinta e seis meses. Os profissionais são orientados a observar as funcionalidades dos sujeitos, as alterações no desenvolvimento, e pouco se trata da perspectiva da subjetividade. O documento enfatiza que os ganhos funcionais são indicadores centrais na avaliação da eficácia do tratamento.

2 - A principal divergência: o documento LC fala sobre detecção precoce de sinais de risco de perturbação da interação e da comunicação. Trata-se de sinais que indicam a presença de sofrimento e que podem configurar um quadro de TEA ou de outro transtorno do desenvolvimento, mas não necessariamente. No documento DR os sinais de risco identificados já são tomados como preditores de TEA ou de outros transtornos do desenvolvimento.

e) Comentários

O documento DR enfatiza no primeiro parágrafo do capítulo 5.1, a necessidade do uso de escalas e instrumentos de triagem e avaliação padronizados (pág. 29). Consideramos que isto pode impedir uma escuta mais abrangente, pois o instrumento padronizado pode anular a escuta do sujeito e suas singularidades. Sob este aspecto, sugerimos que os instrumentos utilizados para a detecção precoce sejam livres e de acordo com a fundamentação teórica e ética de cada serviço, e ainda recomendamos que nenhum instrumento seja utilizado para classificar ou impedir a consideração da singularidade de cada criança.

Consideramos fundamental priorizar uma escuta atenta e a intervenção para a primeira infância de forma geral: um olhar que visa a “saúde” e não a patologia, envolvendo também a reabilitação/habilitação nesta concepção. Julgamos necessário considerar as especificidades que envolvem esse período da vida no que diz respeito à escuta e intervenção. Parece-nos importante que haja uma escuta atenta dos pais/cuidadores e seus bebês a fim de detectar e intervir em situações de intenso sofrimento psíquico, que ainda de não configurem um quadro patológico instalado, necessitam de atenção e intervenção.

Parece-nos bastante relevante que a detecção precoce possa ser realizada nos vários pontos da rede por onde as crianças circulam, mas os documentos não esclarecem em qual ponto de atenção as intervenções seriam realizadas quando necessárias. Parece-nos necessário que os documentos ao menos apontem as especificidades deste tipo de atenção, a fim de que as equipes de saúde possam se organizar em cada território.

Consideramos de fundamental importância destacar a diferença entre detecção precoce de risco de sofrimento e de sinais indicativos de um quadro de TEA. Em termos clínicos a intervenção precoce de sinais de risco é muito diferente do tratamento de uma patologia. O que não significa negar que existam sinais indicativos de autismo em crianças bem pequenas.

Em termos de saúde pública e da rede de cuidados, tomar os sinais como de sofrimento e não de uma patologia específica aponta para uma direção de cuidados, própria da atenção básica, na direção da promoção de saúde. A atenção básica é a principal porta de entrada no SUS e tem um papel central na coordenação do cuidado nas Redes de Saúde, por isso é fundamental pensar seu lugar estratégico nas ações em envolvem a infância.

O diagnóstico que desconsidera a diferença entre sofrimento psíquico, fatores de risco para a instalação da patologia e o quadro psicopatológico em si pode produzir uma falsa epidemia de autismo.

Tomar a questão nessa direção leva em conta também a configuração subjetiva dessas crianças e famílias afetadas. Consideramos importante levar em conta os efeitos iatrogênicos em jogo nesse processo: que um nome dado antes do tempo tenha como efeito a conclusão precipitada de um processo que deveria permanecer aberto até a conclusão diagnóstica.

Pensar em sinais de sofrimento não significa desconsiderar a complexidade do caso. Trata-se de colocar em perspectiva a potencialização da saúde, ao invés de prevenir a doença, favorecendo o desenvolvimento da criança e do cuidador.

IV - FLUXO DA ATENÇÃO

a) Na Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS

Já no inicio deste documento, no item “Apresentação” (pág. 10 e 13) é apontada a importância da articulação entre as diferentes Redes de Atenção a Saúde e da articulação intersetorial:

“Apresenta ainda, a necessária articulação à Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência e contextualização quanto às Políticas Públicas de Educação, Assistência Social e Direitos Humanos, nas quais esta questão dialoga com perspectivas e estratégias significativas de apoio e de participação social, em diferentes frentes, reafirmando a necessidade de práticas plurais, intra e intersetoriais, para responder à complexidade da efetiva garantia de direitos e de participação social das pessoas com TEA e suas famílias, compromisso fundamental das políticas publicas. (pág. 10)

“A Rede de Atenção Psicossocial – RAPS (Brasil, 2011b) é parte integrante do SUS compartilhando de seus princípios e diretrizes. A RAPS, a Rede de Atenção às Urgências, a Rede Cegonha a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, se apresentam como redes cuja implantação é prioritária para o Ministério da Saúde (Brasil, 2011c; 2011d; 2012). Vale ressaltar que o desafio está colocado não só para a implantação e expansão dos pontos de atenção dessas redes, mas também para a articulação e a corresponsabilidade do cuidado aos usuários, considerando a singularidade de cada história (grifo nosso)” (pág.13)

No terceiro item “Diretrizes para o Cuidado” (pág. 64) a integralidade é colocada como o principio que precisa nortear o trabalho em rede. Neste mesmo item, o documento alerta para importância de não fragmentar as ações:

Esta concepção de sujeito e cuidados se coloca em oposição à ineficiência produzida pela visão fragmentada dos sujeitos e segmentação de ações e serviços, que tem como consequência a segregação e exclusão da população em questão.” (pág.64)

Nessa direção, integralidade deve ser considerada como um fundamento, no sentido de tornar mais ampliado possível o olhar, ou seja, refletindo sobre as relações e mais variadas interações relativas aos sujeitos que se apresentam nas mais diversas frentes de atuação, como das políticas de saúde, assistência social, segurança pública, defesa e garantia de direitos e articulações intra e intersetoriais. Para isso é necessário que de forma institucional provoque-se real aproximação e corresponsabilização entre os serviços e profissionais que desenvolvem o cuidado, para que, considerando os diferentes papéis e especificidades, compartilhem pressupostos e princípios, para o imediato acolhimento e a disponibilização de ofertas adequadas. (pág.64)

Ainda neste item, salienta-se a necessidade da lógica da pluralidade nos atendimentos e no trabalho em rede:

As equipes e serviços de saúde precisam se inscrever na lógica da pluralidade de atendimentos e no trabalho em rede, pois nesse caso não há apenas uma diversificação das demandas, mas as exigências advindas dos multifatores etiológicos e seus vários prognósticos, o que aponta verdadeiramente para uma lógica criativa das formas de tratamento, evitando sempre um pensamento unívoco ou hegemônico.” (pág. 78)

O atendimento articulado no PTS deve envolver profissionais/equipes de referência, trabalho em rede e a pluralidade de abordagens e visões que atendam as diversas demandas inerentes aos casos de pessoas com TEA é uma tendência mundial (Golse, 2012 e Crespin, 2012) e inovadora, reconhecendo que o sectarismo ou preconceito de técnicas ou leituras só prejudica ao próprio usuário e seus familiares.” (pág. 78 e 79)

No quarto item “Como Organizar a Rede de Atenção Psicossocial”, são expostos os princípios da RAPS, dentre os quais destacamos o seguinte:

Organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado.” (pág.96)

São descritos os pontos de atenção da RAPS e suas atribuições. Colocamos em destaque a Atenção Básica e os CAPS:

“A Atenção Básica (AB) ocupa o lugar de ordenadora das diferentes Redes de Atenção, sendo uma das portas principais de entrada no SUS. É onde ocorre o acompanhamento ao longo da vida das pessoas e, no caso da organização da atenção às pessoas com TEA, destaca-se o acompanhamento do pré-natal e do processo de desenvolvimento infantil.” (pág.98)

As famílias de crianças com risco para os TEA devem encontrar na Atenção Básica sua possibilidade mais imediata de apoio, no que se refere aos cuidados básicos de saúde, ao diagnóstico, à prevenção de agravos e nas às ofertas de reabilitação (grifo nosso). A articulação com outros pontos de atenção deve ser feita institucionalmente, evitando que as famílias se desloquem desnecessariamente e tentem individualmente seu acesso a outros pontos de atenção que se façam necessários.” (pág.99)

Ainda na Atenção Básica, o documento aponta o papel dos NASF:

“Ofertam apoio matricial especializado a estas equipes, que inclui a discussão de casos e o cuidado compartilhado dos pacientes, o que entre outras ações, pode incluir o suporte ao diagnóstico, atendimento conjunto e suporte à elaboração de PTS”.

O CAPS é apontado como dispositivo estratégico para a atenção as pessoas com TEA e suas famílias na RAPS, oferecendo atendimento intensivo, articulação de rede e matriciamento a diferentes pontos de atenção:

”O CAPS é um dos serviços de referência para o cuidado às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo, independente de sua idade. Também é função do CAPS ofertar apoio matricial (grifo nosso) às Equipes de Saúde da Família e aos pontos de atenção às urgências, apoiando e subsidiando o processo diagnóstico, o acompanhamento direto das situações graves, e se corresponsabilizando pela atenção às urgências.” (pág.102)

“Conforme Portaria SAS 854/2012, os CAPS podem oferecer um amplo conjunto de ações voltadas à construção de autonomia e inserção social de pessoas em intenso sofrimento... as diferentes abordagens bem como a intensidade do cuidado ofertado pelo CAPS deverão ser plásticas às singularidades das demandas das pessoas com TEA e sua família, e deverão incluir outros pontos de atenção da saúde e de outros setores que disponham de recursos necessários à qualidade da atenção, como as Unidades Básicas de Saúde, os Centros Especializados de Reabilitação (CER), as Instituições de Ensino, os serviços da Assistência Social, Trabalho, Esporte, Cultura e Lazer.” (pág. 105)

No final deste item, fica explicito que a direção do fluxo na RAPS não é definido a priori:
“Portanto, a Rede de Atenção Psicossocial deve ser organizada de acordo com os contextos municipais e/ou regionais, contando com uma diversidade de pontos de atenção articulados a partir da necessidade das pessoas e famílias. No diagrama abaixo podemos visualizar as ações que podem ser desenvolvidas nos diferentes componentes da RAPS, além de reafirmar a necessidade de articulação com a rede intra e intersetorial.”

“A Linha de Cuidado tem seu início a partir do primeiro contato da família ou pessoa com TEA, independente do ponto de atenção da RAPS.” (pág.111)

Os diagramas 1,2 e 3 (págs. 112-114) mostram a articulação entre os diferentes pontos de atenção, serviços e setores, porem não indicam uma direção pré- determinada, apenas reforçam a importância do trabalho em rede.

b) Nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (DR) – versão preliminar.

Na parte inicial do documento, é possível verificar a que pontos da rede de atenção à saúde, este documento se destina:


O objetivo desta diretriz é oferecer orientações às equipes multi profissionais para o cuidado à saúde da pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e sua família, nos diferentes pontos de atenção da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência”. (pág.10)

De acordo com a portaria número 793, de 24 de abril de 2012, do Ministério da Saúde, são componentes da Rede de Cuidados à pessoa com Deficiência: Atenção Básica (UBS, NASF e Atenção odontológica), Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, Ostomia e em Múltiplas Deficiências (estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um Serviço de Reabilitação, CER e CEO) e Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência:

Nas ações de assistência materno-infantil da Atenção Básica, por exemplo, as equipes profissionais são importantes na tarefa de identificação de sinais de alerta às alterações no desenvolvimento da criança.” (pág.20)

Ao longo do documento é salientada a importância do atendimento multiprofissional e intersetorial para as pessoas com TEA:

“Toda pessoa com suspeita de apresentar um dos TEA deve ser encaminhada para avaliação diagnóstica. O diagnóstico é essencialmente clínico e, nesse sentido, não deve prescindir da participação do médico especialista (psiquiatra e/ou neurologista), acompanhado de equipe interdisciplinar capacitada para reconhecer clinicamente tais transtornos. A equipe deverá contar com, no mínimo: médico psiquiatra ou neurologista, psicólogo e fonoaudiólogo. Cada profissional, dentro de sua área, fará sua observação clínica”. (pág. 36)

A oferta de tratamento, nos pontos de atenção da Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, constitui uma importante estratégia na atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo, uma vez que tal condição implica em alterações de linguagem e de sociabilidade que afetam diretamente – com maior ou menor intensidade – grande parte dos casos, limitando capacidades funcionais no cuidado de si e nas interações sociais, o que demanda cuidados específicos e singulares de habilitação e reabilitação ao longo das diferentes fases da vida”. (pág.56)
Ao mesmo tempo, além dos processos de cuidado à saúde no âmbito da atenção especializada, que visam responder às especificidades clínicas, é importante ressaltar que os serviços de saúde devem funcionar em rede, estando preparados para acolher e responder às necessidades gerais de saúde das pessoas com TEA, o que inclui o acompanhamento (básico e especializado) tanto da equipe de habilitação/reabilitação, quanto médico, odontológico e da saúde mental, sempre que se fizer necessário (grifo nosso).” (pág.60)

Ainda sobre o fluxo, há nas páginas 64 e 65 a figura de um fluxograma.

a) Convergências

1 - Os dois documentos ressaltam a importância do atendimento multiprofissional, intersetorial e em rede, ressaltando a necessidade da pluralidade de atendimentos; apontam que o processo diagnóstico deve ser feito por uma equipe interdisciplinar e a construção do PTS deve ser feita em conjunto com a família.

2 - Os dois documentos apontam o lugar fundamental da atenção básica nas ações de detecção precoce de TEA e outros riscos para o desenvolvimento.

3 - Em ambos os documentos, a direção do fluxo não é definida a priori. Fica a critério de cada rede de atenção organizar o fluxo de atendimento de acordo com a necessidade de cada caso e os equipamentos de saúde de cada região.


4 - Nenhum dos dois documentos esclarece de que forma e se dá a articulação entre a RAPS e a Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência, apesar de apontarem que a articulação se faz necessária.

d) Divergências

1 - O documento LC aponta algumas estratégias de articulação entre as equipes de saúde que compõem a RAPS (por exemplo, o matriciamento, realizado pelas equipes de NASF e/ou CAPSi, é apontado como estratégia importante para qualificar e ampliar as ações da Atenção Básica e da rede de Atenção Hospitalar). Já o documento DR não traz explicitamente as formas de articulação entre as equipes de saúde da RCPD.

2 - A função de cada ponto de atenção da RAPS é explicitada no documento LC, o que facilita a construção de um fluxo de atendimento pelas equipes de saúde. No documento DR não fica explícita a função de cada ponto de atenção na atenção às pessoas com TEA.

e) Comentários

No final do item 4, do documento LC fica posto que a direção do fluxo na RAPS não é definido a priori. No entanto, a função de cada ponto de atenção desta rede é descrita minuciosamente, orientando assim os atores envolvidos. O documento ressalta que os princípios do SUS e da RAPS devem ser respeitados em todos os pontos de atenção, facilitando a articulação e comunicação entre eles. Aponta-se a necessidade de que no documento DR haja um maior esclarecimento do que é realizado em cada ponto da atenção para que as equipes de saúde se orientem em relação ao fluxo de atendimento. Há a figura de um fluxograma, mas que ao que nos parece, necessita ser melhor explicada.

O documento LC ressalta que a Integralidade deve ser o princípio norteador do trabalho intra e intersetorial e para que este princípio possa se materializar, orienta que as concepções de sujeito e de cuidado sejam compartilhadas pelos diferentes profissionais e serviços envolvidos a fim de evitar a ineficiência produzida pela visão fragmentada do sujeito e segmentação de ações. Consideramos este aspecto fundamental e nos parece importante definir nos documentos que princípios orientam a articulação entre as redes RAPS e RAPD e estabelecer quais são as premissas compartilhadas, no que diz respeito ao processo diagnóstico e tratamento dos casos de autismo. Esta questão não está suficientemente clara.

SOBRE OS CENTROS ESPECIALIZADOS EM REABILITAÇÃO/CER o Serviço de Reabilitação/Habilitação Intelectual e Transtornos do Espectro do Autismo 

Documento de referência: Instrutivo de Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual e Visual (CER e serviços habilitados em uma única modalidade). CAPÍTULO 7 – O Serviço de Reabilitação/Habilitação Intelectual e Transtornos do Espectro do Autismo (pág. 38)

Este documento complementa noções e conceitos expressos nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista na Rede de Cuidados às Pessoas com Deficiência no SUS. Por se tratar de um instrutivo, é o documento que regulamenta a implementação dos equipamentos de atendimento a população, e, portanto, a concepção que orienta sua proposta deveria estar alinhada pela articulação pretendida entre os campos de reabilitação e saúde mental. É a partir desta perspectiva que fazemos a leitura deste instrutivo, para fazer valer o compromisso assumido pelo MPASP de contribuir com o MS na qualificação da atenção as pessoas com autismo no SUS.

I - FUNDAMENTOS

1 - O documento aponta os fundamentos relativos à Deficiência Intelectual, sendo ausentes aqueles sobre o Autismo ou Transtorno do Espectro Autista/TEA. O documento refere que a validação da deficiência intelectual no meio científico é um produto do século 21, está consolidada pelo DSM-IV:
“No início do século XXI, o conceito de deficiência intelectual se consolida no meio científico, a partir da publicação de documentos de associações internacionais, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de desordens Mentais (DSM-IV) e da Associação Americana de Deficiências Intelectuais e do desenvolvimento (AAIDD), tendo como marco a Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, em 2004.

O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) define uma pessoa com deficiência intelectual como alguém que está "significativamente limitada em pelo menos duas das seguintes áreas: autocuidado, comunicação, habilidades sociais/interpessoais para a vida no lar, auto direção, uso de recursos comunitários, habilidades acadêmicas funcionais, trabalho, lazer, saúde e segurança. Ele classifica quatro diferentes graus de deficiência intelectual: leve, moderada, grave e profunda”. (grifo nosso, pág. 39)

“Tomando como referência esses documentos e o Decreto no 5296/04, da Presidência da República, que regulamenta as leis no 10.048 de 08 de novembro de 2000 e a de no 10.098 de 19 de dezembro de 2000, entende-se essa deficiência como uma atividade intelectual abaixo da média de normalidade pré-estabelecida e que é associada a aspectos do funcionamento utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho. Pode dificultar a aprendizagem, comunicação, desenvolvimento da linguagem oral e escrita e sociabilidade”. (grifo nosso, pág. 39)

Segundo o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012), a deficiência intelectual é considerada como um estado de desenvolvimento incompleto ou estagnado (grifo nosso), resultando em dificuldades no processo de aprendizagem, de entendimento, nos aspectos mnemônicos e no uso de recursos aprendidos frente a situações do cotidiano. (pág. 40)

2 - O documento refere que os fatores determinantes da Deficiência Intelectual são: síndromes, lesões, enfermidades com consequências físicas, sensoriais ou neurológicas, entre outros:
“A deficiência intelectual resulta de uma variedade de fatores, que vão desde condições sindrômicas, lesões cerebrais, enfermidades que provocam alterações de âmbito físico, sensorial e/ou neurológico, dentre outros. Todo esse conjunto de situações tem como fator resultante comum disfunções cognitivas e de linguagem, resultando em dificuldades nos processos de comunicação e aprendizagem.” (pág. 40)

3 - O documento incluí o atendimento as pessoas com transtorno do espectro autista no Serviço de Reabilitação/Habilitação para Pessoas com Deficiência Intelectual e, ao mesmo tempo, menciona o desenvolvimento de “habilidades singulares”:

“Os Serviços de Reabilitação/Habilitação para Pessoas com Deficiência Intelectual e com Transtornos do Espectro do Autismo, deverão garantir linhas de cuidado em saúde nas quais sejam desenvolvidas ações voltadas para o desenvolvimento de habilidades singulares (grifo nosso) no âmbito do projeto terapêutico, particularmente voltadas à cognição, linguagem e sociabilidade.” (pág. 41).
4 – O documento incluí as orientações para avaliação multiprofissional de pessoas com deficiência intelectual e pessoas com transtorno do espectro autista e o diagnóstico não deve prescindir da participação do médico especialista:

A avaliação de ser realizada pela equipe multiprofissional, composta por médico psiquiatra ou neurologista e profissionais da área de reabilitação, com a finalidade de estabelecer o impacto e repercussões no desenvolvimento global do indivíduo e na sua funcionalidade. A observação e análise dos sinais clínicos, com destaque para os aspectos motores, sensoriais, cognitivos, fala e expressividade, serve de base para a elaboração do diagnóstico e da construção de um Projeto Terapêutico Singular, desenvolvido por meio do trabalho interdisciplinar junto a pessoa com deficiência intelectual e com transtornos do espectro do autismo, bem como suas famílias.” (pág. 41)

5 – Sobre a terapêutica:

Atendimento/acompanhamento em Reabilitação Intelectual e das Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo consiste no atendimento multiprofissional para o desenvolvimento de habilidades para a execução de atividades de vida autônoma, entre as quais se destacam: estimulação precoce, orientações à família; orientações à escola; reabilitação/habilitação, visando, entre outras, o desenvolvimento de habilidades comunicacionais, de interação social, e de aprendizado”. (pág. 42)


6 - O documento refere que 2,6 milhões de brasileiros apresentam deficiências intelectuais/mentais, sendo a área da deficiência intelectual a mais carente de investimento:

No Brasil, os estudos epidemiológicos, de incidência e prevalência das Deficiências Intelectuais na população são escassos e não é exagero dizer que a área que mais carece de investimento em pesquisa e produção de conhecimento é a da Intelectual. Segundo o último os dados do IBGE 2010, cerca de 2,6 milhões de brasileiros apresentam deficiências intelectuais/mentais” (pág. 39).
Criar ferramentas tecnológicas (grifo nosso) eficazes para ajudar as pessoas desta população é uma tarefa desafiadora. Estudos anteriores mostraram que, embora os indivíduos com alterações cognitivas têm maior incapacidade funcional do que indivíduos com outros tipos de deficiências, eles usam o menor número de auxílios tecnológicos. Estudos sugerem que isto é devido, pelo menos em parte, à falta de tecnologia concebida para esta população ....

O objetivo de aumentar a cognição é menos concreto do que atenuar outros tipos de deficiência, como a visão ou a mobilidade, porque os mecanismos cognitivos utilizados pelas pessoas para atingir seus objetivos variam entre os indivíduos e ao longo do tempo” (pág. 40).

II – DISCUSSÃO E CONTRIBUIÇÕES

1 – A leitura biológica das deficiências: antigos paradigmas

A leitura biológica da deficiência intelectual, excluindo a subjetividade de sua determinação e a relegando aos “outros fatores” (síndromes, lesões, enfermidades com consequências físicas, sensoriais ou neurológicas, entre outros) já seria uma questão para o psicanalista que, no espectro da cientificidade da questão, trabalha no cotidiano de sua clínica com casos de debilidade2 sem nenhuma correlação orgânica de determinação da doença, e mesmo nos casos em que há determinação orgânica, através do manejo clínico de âmbito subjetivo, obtém como efeito do seu tratamento, no mínimo, a flexibilização do quadro (há teses, artigos, e diversas publicações científicas que demonstram tais acontecimentos) 3.

Somado a isso, a colagem entre autismo ou os transtornos do espectro autista/TEA e deficiência Intelectual apaga os ganhos que a inclusão do autista no campo das políticas públicas para pessoas com deficiência quer produzir4. Se outras deficiências ou transtornos mentais (quadros de sofrimento psíquico), que também manifestam alterações cognitivas, não assumem o mesmo valor clínico e o mesmo tratamento que as deficiências intelectuais, porque o autismo deveria assumir? Com quais critérios científicos se propõe essa colagem tão séria num documento de diretriz nacional do Ministério da Saúde? Há certa insistência no texto do documento de que o transtorno do espectro autista seja incluído no Serviço de atendimento para pessoas com deficiência intelectual, não ficando clara sua real motivação. Deficiência intelectual e transtorno do espectro autista são aqui tomados como equivalentes clínicos sem a devida discussão sobre a aproximação dessas condições clínicas particulares.

É extremamente relevante que no final do documento os tipos de Centros Especializados de Reabilitação/CER falem-se apenas da deficiência intelectual, supondo que o TEA esteja contemplado por essa nomenclatura, o que confirma a tendência expressa ao longo do texto do Instrutivo de que se faz uma colagem entre os termos que a clínica, tanto com os TEA, quanto com as deficiências intelectuais não corrobora.

Nesse documento a deficiência intelectual é entendida como um problema de desenvolvimento (que está incompleto ou estagnado). Com quais critérios podemos supor que tal condição revela algo do autismo? O autismo não pode ser entendido exclusivamente como um problema de desenvolvimento.

Ao se afirmar que os fatores determinantes da deficiência intelectual são: “síndromes, lesões, enfermidades com consequências físicas, sensoriais ou neurológicas, entre outros” qual lugar se reserva para as determinações subjetivas, presentes na deficiência intelectual? Nos casos de autismo, as determinações psíquicas estão também claramente colocadas, mas devem ser especificadas, pois são de outra ordem em relação à deficiência intelectual.

Assim, entendemos que:

A legislação vigente sobre os direitos das pessoas com deficiência (incluindo neste caso, o autismo) vislumbra garantir que essas pessoas sejam atendidas em todas as suas necessidades para alcançar o máximo de autonomia possível para a conquista de uma vida independente.

A psicanálise considera que se tornar um sujeito autônomo ultrapassa o “desenvolver funções”, pois o sujeito precisa apropria-se dessa condição, assumir como seu de forma singular, isto se refere a toda e qualquer deficiência. Sendo assim, a condição subjetiva inerente à condição humana deve estar presente nas ações da saúde pública como na habilitação e reabilitação, e orientar a instalação de seus equipamentos.

Como a passagem entre os termos deficiência intelectual e transtornos do espectro autista não é sinalizada no documento, na especificação de suas definições e ações, o leitor é levado a compreender que o autismo é uma categoria da deficiência intelectual. Entendemos que a inclusão do autismo no campo das deficiências deve ser proposta como uma categoria diferenciada da deficiência intelectual, e isso é fundamental na montagem dos dispositivos de atendimento a essa população, inclusive nos equipamentos de reabilitação.

Destacamos que no campo das políticas públicas para pessoas com deficiência, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2006), principal marco legal no ordenamento jurídico nacional, pessoas com deficiência são “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelec- tual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

Se, de acordo com a Convenção da ONU é possível situar o autismo no campo das deficiências, conforme argumentamos no item II - CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIA E AUTISMO, no início deste documento, não encontramos argumentos para situar o

autismo como uma deficiência intelectual. Repetimos a conclusão da argumentação:
É preciso considerar a multifatorialidade causal e etiológica do autismo. E ainda que o funcionamento intelectual da pessoa com autismo tenha suas particularidades, a sua desabilidade não é cognitiva, está centrada de maneira determinante no encontro com o outro. É isso que ele não pode fazer, evita, é disso que ele não dá conta. É aqui que deve intervir o tratamento e, portanto, este ponto deve ser considerado numa política pública responsável.

Ao pleitearmos a separação da condição de deficiência intelectual do autismo estamos reivindicando:

1 - que a condição multifatorial de determinação do autismo não seja reduzida a condição intelectual desta determinação, e que portanto o tratamento não seja revertido num sistema específico de ensino e aprendizagens mais ou menos adequados.


2 - Que a noção de deficiência (seja ela intelectual, mental, física ou sensorial) seja tomada pela abertura que o termo desabilidade confere e que se expressa na Convenção. Ou seja, o impedimento do corpo não sela sozinho o destino de alguém. É do encontro do corpo com sua cultura que as desabilidades serão configuradas e terão que ser pensadas.

3 - Que a subjetivação seja considerada como condição humana, independente da condição intelectual, mental, física ou sensorial do sujeito em questão. Subjetividade é o acontecimento que se dá no encontro entre um corpo (em qualquer condição de desenvolvimento) e a cultura no qual este corpo se insere.

É ainda importante considerar que, ao chamar a atenção para a condição subjetiva da pessoa com autismo na determinação de sua dificuldade de estar com o outro não se retira a condição subjetiva das pessoas que com outras deficiências – como a intelectual. Ao situar a subjetivação como condição humana, independente da condição intelectual, mental, física ou sensorial do sujeito em questão, sustenta-se a ideia de que em toda e qualquer condição que alguém tenha de pertencer ao seu universo cultural, esta operação se dará de maneira absolutamente singular. O sujeito sofrerá o impacto do encontro de seu corpo com a cultura e é com isso que terá que lidar, a partir de sua condição, seja ela deficitária em termos físicos, mentais, intelectuais, sensoriais, - ou não.
Há uma necessidade ética e clínica urgente de trabalhar sob os paradigmas que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência institui para o direcionamento das políticas públicas no Brasil.

2 – Sobre o Diagnóstico e a Terapêutica

O documento orienta “que o diagnóstico não deve prescindir da participação do médico especialista”, psiquiatra ou neurologista, que deve compor a “equipe multiprofissional”. A avaliação é feita pela equipe de reabilitação, da qual deve fazer parte o médico especialista. Estranha-se a possibilidade do médico psiquiatra ser substituído por médico neurologista. Qual a suposição que sustenta essa

proposição? Há que se considerar que a visão biomédica do autismo qualifica especialmente o médico como o especialista responsável pelo diagnóstico. Uma leitura multifatorial da construção do quadro pode supor que psicólogos e psicanalistas sustentem a construção da hipótese diagnóstica, que, assim como deve fazer o médico, precisa ser construída numa prática interdisciplinar, e não apenas multidisciplinar.

Sobre a terapêutica, ao longo do texto há inserções de termos e afirmações alinhados aos novos paradigmas emanados da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2006), como na Introdução do instrutivo, a referência à Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF, como um novo instrumento que incide sobre as propostas de reabilitação em saúde para pessoas com deficiência: “o olhar da reabilitação no contexto da funcionalidade amplia os horizontes e contextualiza o indivíduo, a família, a comunidade em uma perspectiva mais social, privilegiando aspectos relacionados à inclusão social, o desempenho das atividades e a participação do indivíduo na família, comunidade e sociedade”. (pág. 4) 

Da mesma forma, no Cap. 7, no que diz respeito à terapêutica especifica para deficiência intelectual e para os transtornos do espectro autista: “os Serviços de Reabilitação/Habilitação para Pessoas com Deficiência Intelectual e com Transtornos do Espectro do Autismo, deverão garantir linhas de cuidado em saúde nas quais sejam desenvolvidas ações voltadas para o desenvolvimento de habilidades singulares no âmbito do projeto terapêutico, particularmente voltadas à cognição, linguagem e sociabilidade”. (pág. 41)

Entretanto, tais afirmações, no sentido de um novo direcionamento do processo de reabilitação, perdem sua consistência, pois contrariamente, é estimulada uma terapêutica pautada nos sinais fenomenológicos, sem menção aos aspectos singulares e da condição subjetiva, como as questões sociais/culturais e psíquicas que possam favorecer ou mesmo impedir a condução do tratamento: “a observação e análise dos sinais clínicos, com destaque para os aspectos motores, sensoriais, cognitivos, fala e expressividade, serve de base para a elaboração do diagnóstico e da construção de um Projeto Terapêutico Singular, desenvolvido por meio do trabalho interdisciplinar junto a pessoa com deficiência intelectual e com transtornos do espectro do autismo, bem como suas famílias”. (pág. 41)

Apontamos para o risco desta orientação para os Serviços de Reabilitação/Habilitação Intelectual e Transtornos do Espectro do Autismo não acompanhar os avanços e recomendações da CIF sobre o tema e os novos paradigmas do campo. É também negligenciada a orientação atual do Ministério da Saúde para o cuidado em Rede. Ao desconsiderar os aspectos psicossociais, acentua- se o distanciamento entre os campos de saúde mental e de reabilitação, bem como das de outras áreas, como saúde da criança, e campos intersetoriais, diminuindo as possibilidades de articulação em rede deste ponto de atenção nos territórios e comprometendo a integralidade da assistência preconizada pelo SUS.

Defendemos que na orientação para os dispositivos de atenção deve estar pautada na articulação da Rede de Atenção Psicossocial/RAPS e da Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência, no que diz respeito ao atendimento dos autistas e suas famílias. Devem estar claros os princípios que orientam a articulação entre essas redes nos territórios, as premissas compartilhadas, para a detecção precoce de sinais de risco (considerando a posição estratégica da atenção básica na saúde da criança), para o processo diagnóstico e de tratamento dos casos de autismo. Defendemos que as concepções de sujeito e de cuidado sejam compartilhadas pelos diferentes profissionais e serviços envolvidos a fim de evitar a ineficiência produzida pela visão fragmentada do sujeito e segmentação de ações.

A proposta de Centros Especializados de Reabilitação/CER, da qual trata o instrutivo, e, em particular, o Serviço de Reabilitação/Habilitação de Pessoas com Deficiência Intelectual e Transtornos do Espectro do Autismo, distancia-se da proposta de cuidado em rede, pauta-se no paradigma de reabilitação em serviços especializados isolados (mesmo que numa mesma unidade física), divididos por deficiência - visual, auditiva, física, intelectual e múltipla deficiência. Há descrição sobre a estrutura e equipe, com foco preponderante no diagnóstico e uso de tecnologia assistiva, observam-se poucos avanços no campo da intervenção terapêutica na lógica de cuidados em rede e fazendo uso de outros dispositivos para promover a autonomia e independência das pessoas com deficiência, para maior circulação e inclusão social.

3 – Sobre os Impactos de uma Política Pública

O documento refere ser a área da deficiência intelectual a mais carente de investimentos para pesquisa e produção de conhecimento e tenta traduzir a dimensão do impacto que estes investimentos trariam para população, uma vez que “segundo o último os dados do IBGE 2010, cerca de 2,6 milhões de brasileiros apresentam deficiências intelectuais/mentais” (pág. 39).

Por outro lado, quando o reconhecimento de que há pouco investimento aparece num documento oficial, prevê investimento na área. Isto seria animador, se não se abrisse no parágrafo seguinte num achatamento violento de investimento em tecnologia instrumental para as pessoas com deficiência, e, especificamente, pessoas com deficiência intelectual ou com transtorno do espectro autista. Não são citadas as tecnologias de cuidado que precisam ser implementadas/ampliadas de modo articulado à tecnologia instrumental. Diz o texto:

Criar ferramentas tecnológicas eficazes para ajudar as pessoas desta população é uma tarefa desafiadora. Estudos anteriores mostraram que, embora os indivíduos com alterações cognitivas têm maior incapacidade funcional do que indivíduos com outros tipos de deficiências, eles usam o menor número de auxílios tecnológicos. Estudos sugerem que isto é devido, pelo menos em parte, à falta de tecnologia concebida para esta população” (pág. 40).

O foco continua dirigido para as limitações do individuo e sua intensidade: “indivíduos com alterações cognitivas têm maior incapacidade funcional do que indivíduos com outros tipos de deficiências”. Sendo assim, a suposição de que quanto mais limitações e quanto maior a intensidade mais recursos são necessários para suplantar a incapacidade, diz as orientações: “o objetivo de aumentar a cognição...” (pág. 40).

A pessoa com deficiência é novamente indivíduo determinado pelas suas condições individuais (no caso a cognição deficitária revelando sua descapacidade), como se estas estivessem separadas dos aspectos subjetivos e culturais que determinam sua desabilidade e a possibilidade de inclusão social desses sujeitos.

Diz a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2006), Art. 1°: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
Debilidade é um conceito em Psicanálise que não equivale à noção psiquiátrica do termo.
MANNONI, M. (1964). A criança retardada e a mãe. Tradução A. C. Villaça. 3o ed. São Paulo: Martins Fontes. 1988; BATISTA, C. A. M. Inclusão escolar: equívocos e insistência. Uma história de reis príncipes, monstros, castelos, cachorros, leões, meninos e meninas. 2012. 282 p. Tese de doutorado (programa de pós-graduação de Ciências Sociais). Pontifica Universidade Católica de São Paulo. São Paulo; CORDIÉ, A. Os Atrasados não Existem - Psicanálise de Crianças com Fracasso Escolar, Porto Alegre, Artes Medicas, 1996; JERUSALINSKY, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento Infantil, Artes e Ofícios, Porto Alegre, 1999; ANSERMET, F e GIACOBINO, A. Autisme: à chacun son génome. Paris, Navarin, 2012.
Lei 12.764/2012 – Institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos das Pessoas com Transtornos do Espectro Autista foi uma conquista recente do Movimento de Pais e Associações que atendem autistas.