segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Depois da infância. Autismo e Política

Fórum Internacional sobre Autismo. Sábado, 7 de abril de 2018. De 10h às 17h. Barcelona

A presença social do autismo coloca hoje um problema em diversos níveis: fala-se do autismo para referir-se quase que exclusivamente à infância; os signos que descrevem o difundido TEA já são tão amplos que se torna difícil definir suas fronteiras na infância, mas também depois dela; quanto maior é o debate sobre a melhor terapêutica, maior é a invisibilidade daqueles casos que não melhoram como estava previsto.

Não existe, então, nem um discurso, nem um método, que se ocupe, nos dias de hoje, dos adolescentes e dos adultos com autismo. Tampouco esses métodos reeducativos que vociferam para a infância suas “evidências científicas” se ocuparam de realizar um acompanhamento do destino das crianças tratadas com suas técnicas, que corroborariam, assim, as cifras de êxito que proclamam.

O real da puberdade irrompe, então, para por à prova a docilidade do autista educado. Ocorrem, para alguns deles, verdadeiras crises subjetivas, intratáveis para a família e sem respostas eficazes por parte da administração. Aqueles autistas que não encontraram a estabilidade que permite habitar o mundo são considerados, assim, casos graves, irrecuperáveis e são segregados em instituições mais ou menos coercitivas, submetidos a uma única resposta institucional: a contenção física e medicamentosa. Com a adolescência e a idade adulta finaliza-se, então, a pergunta sobre o autismo.

Mas, que destinos toma aquele autismo que foi diagnosticado na primeira infância? São conhecidos aqueles casos que responderam bem às propostas terapêuticas oferecidas. E são conhecidos, também, aqueles que encontraram, por seus próprios meios, um modo de inscrever seu sintoma no vínculo social. Entretanto, onde se encontram os autistas para os quais a estabilidade que necessitam questiona todo tipo de modelo assistencial existente? Esse autismo, aquele que é resistente a qualquer abordagem terapêutica ou reeducativa é, de fato, a resposta à pergunta “O que é o autismo?” E é a excepcionalidade de cada um desses casos a única aproximação possível que os psicanalistas tomamos seriamente.

Uma prova disso são as diversas instituições criadas nas últimas décadas por psicanalistas de orientação lacaniana, que demonstram, a cada vez, que a instituição pode converter-se para o adulto com autismo em um outro permeável a seu sintoma. O valor de invenção dessas instituições merece, nesses momentos, elaborar-se e se transmitir à luz, tanto das instruções de “boas práticas”, como das recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre as “medidas integrais baseadas na pessoa”, e a Convenção sobre os direitos das pessoas com discapacidade.

Encontramo-nos ante uma questão fundamentalmente política à qual a Escola Lacaniana de Psicanálise responde com a organização deste novo Fórum internacional, que tem por título “Depois da infância. Autismo e política” e que terá lugar em Barcelona, em 7 de abril de 2018.

Sob os auspícios da Associação Mundial de Psicanálise, convocamos os políticos concernidos pelo tema e os cidadãos em geral a este fórum de debate, que contará com a presença internacional de psicanalistas de orientação lacaniana, de associações de pais de pessoas com autismo, de profissionais diversos que sustentam sua prática e investigação a partir da pergunta sobre o autismo mais além da infância, e de sujeitos que dão testemunho, a seu modo, do real a que se encontram confrontados.

Conversações sobre o Forum e sua política. Por Neus Carbonell e Iván Ruíz

IVÁN: Para o 3° Forum sobre autismo que a Escola Lacaniana de Psicanálise está organizando, escolhemos um tema fundamentalmente político : o que acontece com o autismo mais além da infância, na adolescência e na idade adulta ?

NEUS: De fato, se trata de um tema fundamentalmente político, mesmo que possa parecer de outra natureza. É politico, em primeiro lugar, porque põe os processos de segregação, no coração de nossa sociedade, em destaque . Assim, é frequente encontrar programas e recursos destinados a crianças que foram diagnosticadas como autistas, realmente somos testemunhas de que o interesse no autismo durante a infância não para de crescer. Sem dúvida, quando estes sujeitos chegam a adolescência e logo depois à idade adulta, não existe para eles um discurso que os acolha. O que implica que o que a sociedade pode oferecer a estes sujeitos e a suas famílias é francamente limitado.

O autismo é um diagnóstico que se refere fundamentalmente à infância. Os programas que existem, os recursos, a presença social, tudo isso faz referência quase que exclusivamente à infância. Sem dúvida, quando e onde se fala do autismo na vida adulta? Por tudo isso, nosso Fórum quer abordar exatamente a pergunta que você coloca: o que acontece com o autismo mais além da infância? Nós temos algumas ideias a partir das quais vamos elaborar nosso programa, mas esperamos que este Encontro nos permita responder a esta pergunta desde múltiplas perspectivas. Por exemplo, a partir da perspectiva do diagnóstico, da medicação, da clínica, dos recursos sociais, enfim, dos projetos de vida que a sociedade é capaz de oferecer a estes sujeitos e a suas famílias. Todas estas questões são políticas porque trazem em primeiro plano o modelo de sociedade que queremos. Têm a ver com a ética, com a lei, com a distribuição de recursos.

NEUS: Nós colocamos uma primeira questão : O autismo infantil é definido na Psiquiatria, que segue os manuais mais usuais como o DSM a partir de alguns itens, de maneira que se diagnostica a partir de testes. Entretanto, não estou certa que os testes possam ser implementados a partir da puberdade. Qual sua opinião ? Que mudanças a puberdade introduz que modificam a definição de autismo da infância ?

IVÁN: É verdade, a puberdade explode as melhores intenções daqueles que queriam enquadrar dentro de um teste confiável de TEA os que foram crianças com autismo. Diria mais, a puberdade no autismo presentifica muitas vezes, para os profissionais, mas sobretudo para as famílias, que o que se tinha preparado para ajudar a esta criança, se funcionou em seu momento, já não servirá. A insistência do adulto fracassa, há que se inventar outras coisas.

Os testes de diagnósticos foram elaborados a partir de uma idéia de normalidade do que é uma criança, mas uma criança que, se espera, chegue a ser um adulto de pleno direito.

É verdade que alguns adolescentes com autismo conquistaram uma estabilidade que lhes permite arranjar-se, por exemplo, com as mudanças em seu corpo, em sua imagem e em seus modos de obtenção de satisfação. Mas para outros, ao contrário, tudo isto fracassa uma e outra vez, seu modo de se virar sem a identificação a alguma imagem da adolescência torna-se insuportável para os adultos que estão com eles.

NEUS: Jean-Pierre Rouillon, em uma conferência que deu este ano em Barcelona, assinalou muito acertadamente que a sexualidade é a forma como alguns humanos tratam a irrupção do gozo que invade seus corpos a partir da puberdade. Os autistas são sujeitos que não contam com a sexualidade para enfrentar este gozo e devem então recorrer a outras formas de tratamento. Esta forma de colocar a questão é francamente interessante. Para começar, tomar a perspectiva do gozo supõe, em primeiro lugar, partir da noção de que não existem formas de gozo melhores que outras. Portanto o autista não está em déficit frente a uma suposta normalidade. Em todo caso , as coisas são mais difíceis posto que não pode recorrer às soluções prêt-à-porter e deve construir uma à sua medida. Colocar o que ocorre ao sujeito a partir da puberdade desde as dificuldades para viver em um corpo que exige a satisfação, supõe entender que não há maneira de chegar à vida adulta com certa estabilidade se o autista não encontrou um modo de funcionar no mundo suficientemente consistente que lhe permita ter onde apoiar-se. Por isso, nesta etapa podem ocorrer crises subjetivas realmente devastadoras. Aqui também podemos ver porque essas crianças que foram mais ou menos dóceis às técnicas reeducativas da infância podem entrar em severas crises, já que essas técnicas não lhes servem para tratar o que lhes sucede no corpo.

IVÁN: Este é um tema fundamental, uma vez que para muitos adolescentes as técnicas reeducativas não podem ser aplicadas a não ser com coação, com uma vontade férrea de substituir as condutas que o garoto tem por aquelas que o adulto quer que ele tenha. Então, não é possível pensar que o sujeito possa fazer seus os recursos que o adulto lhe oferece se ele se vê obrigado a defender-se desta opressão. Mas, há algo mais. Reduzindo-se a imposição do adulto sobre o sujeito, desapareceria imediatamente sua posição defensiva e, assim, poderia aceitar o adulto como lugar de referência – tudo seria mais fácil.

O problema é que o autista incorpora esta resposta defensiva, infligindo dor ao próprio corpo, por exemplo, e a generaliza mediante qualquer imposição que venha das pessoas que o rodeiam (o anúncio da finalização de uma atividade), do entorno (o pôr-do-sol) ou de seu próprio corpo (a sensação de fome ou uma dor de barriga) – para mencionar algumas situações comuns. Mediante isto, nossa margem para ajudá-los fica reduzida; e o que é fato é que quanto mais imposição do adulto mais imposição do autista sobre seu corpo.

NEUS: Quero, ainda, acrescentar algo mais. Mesmo que as invenções que o sujeito possa alcançar sejam fundamentais, não podemos esquecer que estas soluções podem ser, aos olhos dos outros, bastante modestas e, inclusive, das mais incompreensíveis ao sentido comum. Devemos ter sempre presente que quando propomos a invenção não podemos nos referir unicamente àquelas que gozam de prestígio social - por exemplo, o autista que consegue converter-se em um bom músico.

Às vezes, são as mais estranhas: o menino que se sustenta por meio de perguntas insistentes e sem respostas; o menino que se faz acompanhar das máscaras e da música dos filmes da Disney. Além disto, as soluções encontradas nunca são definitivas, nunca chegam a ter o valor de uma metáfora do corpo que experimenta. Por isto, repetem-se várias vezes, o que implica que aqueles que acompanham o autista devem estar dispostos à repetição incansável e nunca definitiva da solução, por vezes extremamente frágil.

IVÁN: Não é pouca coisa isto que você diz.

NEUS: Realmente. E implica que para estes sujeitos devem existir alguns outros dispostos a isto. O que somente se consegue a partir de um trabalho clínico muito consistente. Não é nada certo que isto esteja garantido para eles. Por esta razão, muito frequentemente o tratamento medicamentoso vem no lugar de um fracasso e a agressividade dos adultos em direção a estes sujeitos – que se escuta em algumas instituições, sobretudo residenciais – é a resposta frente ao que não podem suportar, nem eles nem a direção clínica da instituição.

IVÁN: Trataremos, neste Fórum, da questão da agressividade. Por isto, acreditamos que é um fórum fundamentalmente político. A idade adulta coloca algumas dificuldades no que está disposto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006. Nela, se reconheceu a importância de dar a estas pessoas “a oportunidade de participar ativamente nos processos de adoção de decisões sobre políticas e programas, incluídos os que lhes afetam diretamente”. Nos casos de sujeitos em que o seu autismo os mantém distantes de fazer valer este direito, como medimos o que mais convém a um autista adulto se seus modos de resposta não são, muitas vezes, os que somos capazes de escutar?

NEUS: O que esperamos deste Fórum?

IVÁN: Com este Fórum, procuraremos tornar visível uma realidade que desespera as famílias, coloca contra a parede as instituições e os profissionais que nelas trabalham, e que politicamente não está atendida. Queremos dar a palavra à angústia que hoje não dispõe de vias para ser tratada e convocar nossos políticos a dimensionar o que está em jogo e o que temos, todavia, de fazer.

Os psicanalistas estamos em condições de elaborar um discurso sobre o que ocorre com o autismo mais além do diagnóstico usado atualmente, uma vez que os sujeitos atravessam a puberdade ou chegam à idade adulta com um autismo que adquire diversas formas no autismo decidido – como escutei você assim nomear em determinada ocasião -, na Síndrome de Asperger, na esquizofrenia, na debilidade cognitiva, enfim, no modo de estabilização de cada sujeito.

Contaremos com a presença de psicanalistas de todo o mundo, membros da Associação Mundial de Psicanálise, assim como de profissionais que sustentam seu trabalho no campo da educação, da saúde mental, das instituições dia e residenciais, instituições de familiares, que conhecem de primeira mão os limites que o adolescente ou o adulto com autismo encontra.

Neus Carbonell e Iván Ruíz

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